sexta-feira, 2 de março de 2012

A Era do Homem sobre a Terra

A Era do Homem sobre a Terra
O impacto do homem no planeta é tão grande que pesquisadores já discutem se entramos em uma nova Era Geológica



Por Enio Rodrigo
Pegada humana
“Antes, considerava-se que as grandes transformações no planeta Terra eram causadas pela natureza. As Eras Geológicas eram marcadas por mudanças bruscas de temperatura, impacto de corpos celestes ou extinção de toda uma espécie. Mas, nos últimos séculos – o que para a Geologia é um espaço muito curto de tempo –, a ação do homem sobre a natureza impactou tanto ou mais do que esses grandes desastres naturais”, explica João Batista Matos de Andrade, ex-presidente e atual conselheiro da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (Abas).
“Para se ter uma ideia”, continua o geólogo, “no último ano a nossa existência causou mais mudanças no planeta e na natureza do que a soma dos tsunamis, vulcões, furacões, terremotos e outros desastres naturais de grande escala no mesmo período”. 
Andrade aponta que esse impacto do homem tem como causa dois fatores básicos, mas que estão presentes praticamente desde o início da nossa civilização: a agricultura e os assentamentos urbanos. “Para cada quilo de alimento cultivado, entre seis e dez quilos de solo sofrerão erosão em decorrência desse processo”, calcula.
Os agrotóxicos utilizados no cultivo de alimentos impactam ainda os recursos hídricos. O ciclo alimentar dos animais contribui para o aumento do desmatamento e, por conta da remoção da cobertura natural original, pode modificar o clima e a umidade de uma determinada região. Isso, depois, também se reflete no padrão pluviométrico – periodicidade e intensidade das chuvas. Perceba-se que nessa descrição não é citada a modificação da topologia (para deixar o solo mais fácil de ser cultivado) e nem o restante do ciclo da agricultura, que inclui o processamento dos alimentos, por exemplo.
Cidade e problemas
 
“O que precisamos ter em mente, e isso precisaria ser um processo de educação constante, é que nenhum problema que causamos é isolado. O rio assoreado que passa pela cidade grande e causa alagamentos é consequência da erosão do solo em alguma parte do seu curso. As partículas de terra ou areia vieram de algum lugar. E se agora um determinado rio causa um alagamento, e antes não, é porque houve algum desequilíbrio. É essa a lógica que precisamos observar”, diz Ronaldo Malheiros Figueira, coordenador do curso de Geologia da UniSant’Anna e coordenador de Ações Preventivas e Recuperativas (Capr) da Defesa Civil da cidade de São Paulo.
“No caso das encostas”, explica Figueira, “que todos os anos provocam grandes estragos, perdas materiais e de vidas, a lógica também se aplica. Primeiro porque as cidades não têm planos diretores eficazes, nem mapeamento do tipo de solo nessas áreas. O poder público não fiscaliza a ocupação do solo e, em locais já ocupados indevidamente,  não se verifica se existem áreas permeáveis, que ajudariam a escoar a água e diminuir os desmoronamentos”. 

O lixo é outra questão importante nas cidades e, surpreendentemente, inverte uma questão muito “pequena”: a cadeia alimentar dos ratos. “Ratos não são animais típicos das cidades. Em algum momento, eles chegaram e encontraram abundância de comida e nenhum predador natural, ou seja, os surtos de leptospirose que ocorrem durante as enchentes têm sua gênese no problema do lixo, falta de coleta e tratamento adequado. É uma sequência de ações humanas vistas de forma isolada pela maioria das pessoas”, expõe Figueira.
“Isso tudo deve ser visto como um plano só: o impacto do homem é contínuo e não isolado. A mitigação dos problemas deveria seguir os mesmos moldes e não atacar somente o resultado. Desocupar as encostas e forçar a população que mora ali ir para outro lugar só causa novos problemas. Proibir que se jogue lixo nos rios, mas não conscientizar a população e fornecer uma alternativa adequada também não funciona. Precisamos descobrir como resolver o problema como um processo global”, afirma o especialista.
Reversão
Figueira, entretanto, aponta que reverter completamente os resultados atuais da ação do homem é quase impossível. “O mais importante é pensar em modos de diminuir o impacto atual e de projetar os próximos passos de forma adequada. Respeitar a natureza – isso quer dizer respeitar as leis básicas da natureza, entender como ela se organiza e identificar os processos em curto, médio e longo prazo”, esclarece.
Entre esses processos de longo – ou longuíssimo – prazo está a poluição gerada pelos carros e indústrias. As partículas de poeira e metais pesados que saem dos escapamentos dos carros chegam à atmosfera e tornam as chuvas mais ácidas, comprometendo a flora, a fauna, e chegando até os rios e mares. Os detritos produzidos pela indústria também causam problemas similares. Por isso, mesmo longe de grandes centros poluidores, locais como as faixas costeiras são impactadas fortemente nesse processo. Isso sem esquecer que, quando falamos de poluição, também nos referimos aos gases que contribuem para o aquecimento global, a hipótese mais aceita pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) na Organização das Nações Unidas (ONU) e que indica que as variações e o aumento da temperatura da Terra são decorrência direta da ação do homem. 
Litoral
As regiões costeiras, no mundo todo, são as que mais sofrem com o impacto do homem. Historicamente, essas sempre foram as mais povoadas. Também por questões históricas, houve um menor cuidado com o saneamento básico e com a proteção da fauna e flora originais, com raríssimas exceções.
“Posso citar um caso claro de como isso modificou a região litorânea paulista: há mais de 40 anos certa vegetação marinha havia desaparecido. O ‘sargaço’, alga tão típica do mar, só voltou a aparecer há pouquíssimo tempo”, relata Sidney Fernandes, biólogo e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Santos, SP. “Isso é um indicador de que algumas ações tomadas há anos – incluindo tratamento de água e esgoto – estão dando algum resultado”, comemora.

Para Fernandes, a fauna e a flora marinhas são extremamente sensíveis e, portanto, quando algo está errado, elas são as primeiras a sentirem. “Os corais, por exemplo, só se formam em determinadas condições. Uma variação de um grau Célsius na temperatura da água do oceano pode acabar com uma população inteira de corais, fenômeno que já observamos em algumas partes do planeta”, informa.
No Brasil, segundo o pesquisador, megaobras como a construção do porto de Suape, no Maranhão, criaram situações antes conhecidas apenas em filmes estrangeiros: ataques de tubarão são resultados claros da mudança da paisagem debaixo das águas litorâneas daquela região. Quanto à usina hidrelétrica de Belo Monte, outra construção gigante, pouco se sabe realmente o quanto ela pode modificar a região no entorno.
“A natureza passou a ser exercício da vivência humana. A impressão que temos é de que controlamos tudo, mas não é bem assim. A ciência e a tecnologia não dão conta de inverter muitos dos processos que elas criam atualmente. E isso deveria ser um sinal de alerta para nós, humanos”, observa Fernando Gandini, um dos coordenadores do Projeto Maramar, uma Organização Social Civil de Interesse Público (Oscip) que atua no litoral paulista.

“É bom lembrar que mais do que agente da mudança geológica, o homem vem impactando a biosfera do planeta. E o estrago já está em andamento. A única coisa que podemos fazer agora é mitigar os riscos e tentar diminuir nosso impacto no planeta. Isso só se consegue conscientizando as pessoas. Não há outra saída a não ser mudando nossos hábitos de consumo e de vida”, finaliza Fernando Gandini.
Fonte: Parte do artigo foi publicado não site da UNI VESP
fotos:Rogério Nogueira

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